sábado, 12 de março de 2011

Sobre o Perdão

Orestes perseguido pelas fúrias (1862) por William Bouguereau
Sábado a noite e um professor meu de filosofia acabou me inspirando com a última aula, o assunto: O que é realmente perdoar? 
Buscando aperfeiçoar meus conhecimentos acerca da mitologia antecedente e concorrente ao surgimento da Filosofia Grega e acabei então por me deparar com uma narrativa curiosa (retratada pelo poeta grego Ésquilo) e que até então era-me desconhecida. Trata-se do mito das Erínias, as Fúrias (definição romana), divindades do remorso, deusas violentas, guardiãs das leis da natureza e da ordem do mundo, no sentido físico e moral. Perguntei-me então qual seria o sentido deste mito e após refletir por um instante percebi que se tratava da problemática do perdão. Sem dúvida a narrativa é muito apropriada. As Erínias puniam todos aqueles que ultrapassavam os seus direitos em prejuízo dos outros. Ou seja, elas eram a razão, mas eram justas, de fato. São as vingadoras dos crimes cometidos, divindades da Ananke, conceito filosófico-religioso que lembra reposição de limites. As Erínias eram semelhantes a Nemesis, enquanto esta punia os Deuses, as Erínias puniam os mortais. Eram Tisífone(Castigo), Megera (Rancor) e Alecto (Interminável). As Erínias não deixam o criminoso esquecer os seus crimes. São a consciência. Elas faziam com que aquilo que tu fizeste te perseguisse, mentalmente. Interiorizadas, simbolizam os remorsos, os sentimentos de culpa que podem levar até à autodestruição, se consideramos as faltas inexpiáveis. Não se calam nunca, dia e noite, não deixando o criminoso dormir ou se alimentar. Não obstante, elas poderiam se transformar nas Eumênides, as Benfeitoras, quando há o arrependimento sincero, que leve a uma apreciação mais comedida dos atos praticados. Não bastava, porém, para as Erínias a declaração do arrependimento. Imprescindíveis, para elas, objetivamente, a reparação pecuniária, sempre pesadíssima, as penitências, longas penitências, e o trabalho social gratuito por anos e anos. Só, então, as Erínias podiam deixar o criminoso em paz, elas o deixavam mas era o autor do ato que deveria se livrar da sua própria cobrança, da sua culpa que aterrorizava sua consciência.  As Erínias são convocadas pela maldição lançada por alguém que clama vingança. São deusas justas, porém implacáveis, e não se deixam abrandar por sacrifícios nem suplícios de nenhum tipo. Não levam em conta atenuantes e castigam toda ofensa contra a sociedade e a natureza, como por exemplo, o perjúrio, a violação dos rituais de hospitalidade e, sobretudo, os assassinatos e crimes contra a família. A partir desta narrativa, pode-se levantar algumas questões sobre a temática apontada, por exemplo, que efeito o perdão realmente causa na pessoa que o recebe? E seria apropriado perdoar alguém sem uma punição correspondente ao erro cometido, mesmo estando esta pessoa supostamente arrependida? Acredito que o arrependimento seja o passo inicial para quem quer ''pagar'' por algo que fez, mas a questão abrange outras dezenas de coisas. E também, quais as diferenças entre a noção grega de perdão e a noção de perdão utilizada na nossa sociedade tão viciada em religiões?
Tema complexo, e interessante, mito daqueles que gosto de acreditar. E vivam as deusas da Justiça.

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